A Fotografia, ou a Arte de se Conectar
Desde que comecei a me interessar por fotografia, não foram poucas as frases, pensamentos e ideias que escutei, principalmente dos grandes mestres da fotografia. Mas certamente um dos conceitos mais perpetuados é: “a fotografia eterniza um momento”. Sim, é verdade. Mas depois de tanto tempo vivendo exclusivamente desta arte, comecei a reinterpretar esta mensagem, porque pra mim, mais importante do que fotografar, é se conectar ao momento!
Não existe a fotografia se não houver uma conexão. Temos que viver o momento além do fato de segurar uma câmera ou celular. É um princípio simples, a fotografia tem alma! Não é à toa que algumas fotos nos agradam mais do que outras, independentemente se foram feitas com todos os recursos técnicos e tecnológicos. Existe uma ‘verdade subliminar’ impressa na imagem, e isto está associado ao estado de espírito, dedicação, conexão que aquela pessoa teve com o momento que fotografou.
Quando fotografamos uma viagem isto é ainda mais potencializado. Pois viajar envolve tantas sensações, expectativas, desejos únicos, que toda e qualquer fotografia feita durante esta viagem carregará, de alguma forma, essas emoções.
Eu sou um viajante há mais de 30 anos. Cresci e fui educado numa família que priorizava esta relação com a viagem. Foram dezenas de viagens familiares até eu ‘criar meus próprios pés’ e seguir por conta, no mais tradicional estilo ‘backpacker’. Uma cultura enraizada nos jovens europeus, mas que no Brasil da minha adolescência era incipiente. Na época, a fotografia era uma silenciosa companheira e quem efetivamente me acompanhava eram longos diários de viagem, onde eu ia descrevendo tudo que eu via, aprendia, deduzia de um olhar curioso pelo mundo. A fotografia surgiu devagar, dentro dos rolos de filme preto-e-branco, cuidadosamente protegidos numa pequena câmera Olimpus Trip. Um rolo, 36 fotos, era suficiente para trinta dias de viagem. Quem diria! Hoje, gastamos centenas de fotos em poucas horas! Mas será que realmente é necessário?
Hoje, após duas décadas e meia vivendo exclusivamente de fotografia, posso dizer com conhecimento de causa: a enxurrada de fotos digitais efetivamente não trazem a memória dos momentos vividos, e muitas vezes poucas fotos são suficientes para nos manter conectados com nossas lembranças. Pois é um fato que, enquanto fazemos alguma coisa, deixamos de fazer outra. Ou seja, se ficamos muito preocupados em fotografar compulsivamente, deixamos de desfrutar o momento, de olhar os detalhes, as formas e as cores. Podemos registrar, mas corremos o risco de não sentir. Se invertemos as etapas, sentiremos tudo o mais intensamente possível, e pode ter certeza, teremos tempo para fotografar!
Nossos olhos e memória são os melhores equipamentos! Por isto finalizo este texto com uma frase, de minha autoria (e quem sabe um dia, se torne parte do seleto grupo de frases célebres sobre a arte de fotografar): A fotografia não é o que você vê, é o que você carrega dentro si.
Adriano Gambarini é fotógrafo profissional desde 1992, escritor e editor. Notabilizou-se como um fotógrafo engajado em documentações sistemáticas de longo prazo em projetos conservacionistas e etnográficos. Autor fotográfico de 14 livros, assina os textos de Cavernas no Brasil, A Origem do Homem e seus Deuses, Camboja e Velho Chico,o Rio. Cavernas no Brasil e Histórias de um Lobo foram finalistas do Prêmio Jabuti 2012 e 2013, o mais conceituado Prêmio de Literatura no Brasil. Documenta Projetos Conservacionistas e Expedições Científicas de ONGs como Word Wild Foundation (WWF), Conservation International (CI), The Nature Conservancy (TNC) e Instituto Terra Brasilis. No campo etnográfico… [+]
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